III. Na ilha, em perigo

Nuvens carregadas ejetam micropartículas de chuva negra. Venço a distância entre o mangue e a mata cerrada de um só fôlego. Isso graças à secagem rápida do meu traje de mergulho Rowex®, sem o qual o smoking que levo por baixo estaria completamente encharcado, dificultando ainda mais a minha perigosa empreitada. Já o trecho entre a primeira fileira de minas terrestres, as quais detecto sistematicamente com o meu detector Minelander®, e o castelo, ainda apenas uma sombra distante, consigo deixar para trás apenas depois de algumas horas de labor.

Cães de guarda latem à distância. Uma brisa marítima move as folhas das palmeiras. Ela carrega um cheiro de amônia misturada a sorbitol, o que imagino ser o cheiro da morte. Por sorte, carrego sempre comigo o meu lenço de seda embebido em água de colônia Romeu®.

Para adentrar o perímetro, uso uma passagem lateral indicada pela equipe de inteligência. O anão que guarda o salão de festas carrega uma Micro Uzi M240 da Automatique International®. Ele veste um RayBan® de modelo hexagonal adaptado para a visão noturna. Tomando o cuidado de contornar o coreto da praça central, consigo escapar da vigília deste bloco.

Sou informado de que o meu contato, a princesa de um país do Oriente Médio em conflito com o nosso, estará à beira do penhasco na ponta leste da ilha. Ondas quebram contra rochas escuras. Os sons da festa ainda me alcançam. Aguardo por cerca de dois minutos até ver ela se aproximar. Sem falar uma palavra, envolve os meus ombros com os braços e aproxima o rosto do meu. Sinto no seu hálito o aroma refrescante do enxaguante bucal sabor Peppermint, exclusivo da Citromax®.

Antes que os nossos lábios se toquem, somos interrompidos pela luz ofuscante de um holofote. Uma fina silhueta se esboça contra o clarão. À medida que ela cresce, vai entoando o seu monólgo, a voz amplificada pelo excelente megafone Trombone®.

Vivemos tempos estranhos, meus caros, diz a voz. A ganância ocidental conduziu a imprudências. A caminhos que, uma vez escolhidos, devem ser trilhados até o final. A propaganda e o ódio dominaram as narrativas. Irmãos lutam contra irmãos, maridos contra esposas, pais contra filhos. Vilões devem ser inventados para justificar os conflitos. Heróis não faltam, tampouco vítimas. Tudo isso para se obter uma coisa ou outra. É deprimente. É nojento. Pouco importa. Com o meu raio laser destruidor, não sobrará ninguém no planeta para contar história.

A voz solta uma gargalhada que corta a noite. Vejo a terra se abrir, da qual emerge um equipamento do tamanho de um prédio de três andares. Ele tem a forma de um telescópio e aponta para o meio do oceano. As patrulhas terrestres nos localizaram e se aproximam rapidamente. Começamos a correr.

No meio da fuga, a princesa me revela que na verdade é uma espiã, mas que estava aqui fazendo um freela como atriz. Como se fossem palavras mágicas, alguém manda cortar e as luzes se apagam por um segundo. Quando voltam a se acender, percebo que nos movemos sobre uma esteira em frente a uma parede toda verde. O diretor me cumprimenta com a mesma voz amplificada da silhueta, diz que fiz um ótimo trabalho, por hoje já chega. O anão brinca com um cubo mágico. Os cachorros correm soltos atrás de um pássaro que entrou pela janela. Parecendo envergonhada, a princesa ri.

Eu me despeço amigavelmente de todos, mas saio do estúdio atordoado. No meu carro, dirigindo para a minha cobertura nas colinas, fico pensando se não deveria ter feito algo para impedir que tudo acabasse assim.

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