VII. Teresa

O computador não foi o Paulo quem me deu, e sim o ator que faz o Paulo. Recebi o modelo novo com a mesma alegria de quando recebi o antigo, não lembro se da mesma pessoa. A trama é tão convoluta que me perco—pode ter sido o Paulo mesmo, digo o ator que faz o Paulo, ou o que faz o Professor, como disse para a senhora que faz a minha mãe e que parece a Grace Zabriskie em Inland Empire. Pode ter sido o velho de bigode, enfim, pode ter sido qualquer um, pois todos me querem. O modelo novo é na verdade um modelo antigo. Trata-se afinal do remake de um roteiro de 1959, o que esperavam.

Quando ele apareceu com o presente, ouvi algo como o breve rufar de um tambor ou o tilintar de um prato e senti que a câmera se aproximava velozmente da minha cara. Efeitos sonoros e visuais do tipo vêm me perseguindo desde que me dou por gente. Uma panorâmica rasante quando alguém entra no meio de uma reunião, um piquenique com um piano allegro ma non troppo, e o pior: toda vez que tiro a roupa—quando estou consciente do fato, e especialmente quando estou acompanhada—essa canção que lembra um hit pop latino e que me pergunta onde vamos parar. Já me consultei secretamente com o psiquiatra, que me fez garantias de normalidade e juras de amor, me passou o número dele, disse que adoraria me conhecer melhor. Rufar de tambores, prato etc. Disse a ele que ligaria no outro dia e saí com um estoque de amostras grátis de clonazepam que me durou o resto do ano. Comerciais.

Voltamos alguns segundos antes do fim do ano, um ano inespecífico de uma cidade identificada pelo plano aberto de sua praia central. O nome da cidade aparece na tela, mas não me é dado ler. Aparece então a cabeça de uma senhora de cabelos verdes contra o céu escuro. A imagem é estranhamente nítida, veem-se as rugas disfarçadas pela camada espessa de base, o traçado deselegante do lápis de olho, a pesada sombra roxa. Ela fala algo sobre uma traição enquanto tenta seduzir o homem de bigode. Alternam-se planos do tronco + cabeça de cada um lançando um ao outro olhares cujo significado me escapa.

Este homem, eu o tenho em minhas mãos. Contarei à esposa dele sobre a mulher de cabelos verdes caso ele não decida me proporcionar uma vantagem que eu esqueci qual é. Sendo ele amigo do Professor, não vai demorar até que a notícia chegue aos ouvidos de seu sócio, que controla a usina nuclear inaugurada recentemente.

Distraída, tropeço no porco verde de porcelana da casa da minha madrinha. Não sei como cheguei lá, mas não importa. Preciso encontrar uma maneira de sair. Percorro as ruelas povoadas por tipos que nunca vi. As paredes de tijolos descascados, infiltrações à vista. Escadas e escadas contraditórias. A intriga girou para alguém que me persegue sem que eu saiba se é homem ou mulher. Por que as mulheres me perseguem? Por que digo que sou pobre, de onde vem essa raiva? Quem é a adolescente que ri a cada tropeço, a cada degrau?

A tempo dos créditos finais. A mulher que se assemelha à Grace Zabriskie e que diz ser minha mãe está morta. O velho que dizem meu pai está trancado num quarto sem ventilação. Nos bairros elegantes, durante as pausas, lançam-me olhares tortos, sussurram que a culpa é minha.

Não é verdade, de jeito nenhum. Eu sou apenas a atriz que me faz.

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