Agradeço, em primeiro lugar, por não ter conseguido comprar o carro elétrico com que sonhava. Tratava-se de um sonho errado, não tinha visto os dois lados da coisa, os combustíveis fósseis claramente não poderão ser substituídos tão cedo, além disso não há tomadas próximas às vagas rotativas de estacionamento do condomínio. As crianças estranhariam o arranque silencioso do motor. Mais de uma vez me peguei pensando nisso, em como as crianças estranhariam o arranque silencioso do motor e o deslizar felino pelas rampas que circundam o parquinho onde passam as férias todas brincando. Agradeço igualmente, ou de alguma outra maneira, menos grata, talvez, pela dívida contraída no pagamento do aluguel, aliás, aluguel de um apartamento em um condomínio em reforma constante, uma vez que, sei lá, poderia ser pior? Eu poderia estar morto? Eu poderia ser o proprietário, por exemplo, e ter que pagar pelas reformas do condomínio, que deixaram o estacionamento parecendo uma zona de guerra por mais de um ano. A ponto de termos que usar chinelos específicos para sair de casa, os quais tirávamos logo à porta para deixar em cima de um pano de chão, sob pena de enlamear a casa toda toda vez que voltávamos, e por aí vai. Por isso e por muito mais, eu agradeço. Pela comida. Pela dieta que adotamos para manter a o corpo em cheque. Pelas tardes passadas em silêncio e expectativa de que algo acontecesse, amaldiçoando qualquer acontecimento de fato. Pelas noites brancas, sem estrelas, daqui de onde moramos, e pela manifestação da lua que as apaga.
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