Sempre frequentei centros comerciais e shopping centers com fascínio, mas um deles parece ter penetrado o meu subconsciente com mais força que os outros – tanto pelo jogo entre claro e escuro dos seus ambientes fechados, repletos de letreiros e painéis neon, que dava aos meus pesadelos infantis um ar meio anos oitenta, quanto pela possibilidade terrível de ser esquecido ali e ter de passar a viver como um selvagem pós-moderno, comendo restos de fast food, buscando água dos bebedouros com térmicas furtadas a lojas de produtos chineses e me escondendo dos passantes atrás de araras de jaquetas de couro falso e calças em liquidação. Em um momento de desatenção da minha mãe, que teria se encantado por um par de pulseiras douradas, eu vagaria na direção de caixas coloridas que só à distância pareceriam conter brinquedos – seriam na verdade eletrodomésticos retrofuturistas – e, quando me desse conta, estaria perdido em meio a pernas, sapatos e joelhos enormes, lançado num turbilhão de gente que só cessa quando chega a hora de fechar as portas e apagar as luzes. As portas fechadas, cortinas de ferro baixadas, me restariam duas opções: poderia encontrar o depósito e buscar um canto afastado para aninhar o meu corpo subdesenvolvido em folhas de plástico-bolha ou me esconder dentro de uma loja, a escolha mais sábia para o inverno, talvez, pois assim poderia me enrolar em um monte de casacos e dormir confortavelmente dentro de algum vestiário. Chegada a manhã seguinte, me dirigiria sorrateiramente à loja de donuts e comeria tudo que estivesse ao alcance das minhas pequenas mãos, já craqueladas pela falta de nutrição, hidratação e iluminação adequadas. Por quanto tempo sobreviveria assim? Anos e anos, o corpo humano é resistente, alguma hora me daria conta de que é melhor usar desodorante do que perfume, melhor comer as barras de cereal das Americanas do que os donuts da loja de sempre, estaria então relativamente saudável de novo, o corpo das crianças é resiliente. Tomaria banhos de torneira no fraldário, à noite, isso antes de instalarem sensores de movimento, claro, depois seria obrigado a passar a noite toda imóvel. Algum adulto que me visse zanzando durante o dia jamais desconfiaria de nada, pois eu me colocaria sempre próximo o bastante a uma mulher de meia idade para me considerarem seu filho, e se os seguranças começassem a desconfiar da repetição eu evitaria passar por aquele setor por uma semana ou um mês, não sei, o shopping é grande, e para me divertir visitaria o fliperama, mas não mais que uma vez por semana, para não dar bandeira. Se o shopping constituía esse ambiente sombrio dos meus pesadelos, os meus pesadelos tendo sido esquecido no shopping passariam a ser ambientados no fliperama, com toda certeza, nos cantos escuros entre as máquinas desligadas, na poeira e imundície dos cantos desolados, entre painéis de papelão propagandeando filmes descartáveis, ferragem de brinquedos desmontados, material elétrico antigo, escadas e ferramentas. Anos depois a minha mãe passaria por mim e não me reconheceria, os meus cabelos estariam compridos, estaria talvez usando roupas de menina para disfarçar minha presença recorrente, ou então um boné que escondesse o cabelo todo, eu correria até ela mas nenhuma palavra sairia da minha boca, e quanto mais tentasse, mais embargada ficaria a voz, até emitir uma litania inarticulada cujo significado escaparia até mesmo a mim, em uma voz que não seria exatamente a minha, mas sim a da entidade que me controlava, assim como a tudo aquilo que estava havia tanto tempo ao meu redor.
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