XV. Armadilha para tolos

Primeiro o pé, depois o joelho, depois a cabeça. Andávamos pelo mundo acompanhados, quando o tempo era água e lama. Isso foi antes disso. Perguntas que se perpetuavam por séculos respondidas por uma parábola ou anedota lapidada por outros, artesãos de memórias, toscas mas memórias, em qualquer meio ou buraco, como as chamas. Andávamos com Deus, ao Seu lado, usando os pés. As mãos já cavavam ou não infrequente vertiam sangue, mas não era sangue ruim. Muitas vezes na lavoura que não se chamava assim comíamos os frutos do suor e sangue e era bom. Sem querer as juntávamos, este o perigo, as mãos uma à outra, espalmadas, e assim caímos de joelhos, separados como os dedos, que se entrelaçam, sim, mas cada um na sua, ali com a sua mão. Essa era a época dos impérios. Já de joelhos começamos a chafurdar, muito antes da cabeça prostrada. Procurando feridas onde não as havia, criamos novas, e viramos eles, os outros, numa cisma de carne e osso, os outros bem reais, e já ninguém sangrava junto, e era preciso um sacrifício. Os séculos corriam menores, as décadas, até se tornarem algo mais próximo de anos. Vieram os meses, os dias. Eles conseguiram, localizaram o tempo, dobrando-o ao seu relógio. Assim muitos e muitos dias, meses, anos, séculos. A cabeça que antes em pé erguida aos poucos pesada ao chão, testa no concreto. Era preciso mais. Fiz mais. Foi quando meu telefone tocou. Apareci do outro lado da estação neste contexto, cruzei o país em busca de um lugar. Negócios eram fechados em todos os lugares, de modo que me inseri, de alguma maneira, nisso, de alguma maneira. Já era eu e já era você, mas nós estávamos longe, nos outros, em algum lugar, de alguma maneira. O trem me levava primeiro, cabeça prostrada. Depois vieram o metrô etc., ônibus etc., era bom saber. Informe primeiro a máquina. Em caso de necessidade, cada momento ganhou um peso que fez a cabeça se enterrar cada vez mais. Descarrilamento mata cinquenta e cinco na Índia e em outros lugares também. Perigo iminente. Entre num buraco. Percorra um túnel. Alguma voz em perseguição. Folhetos colados aqui e ali. Localize a saída mais próxima, lembrando que ela poderá estar atrás de você. Uma voz monótona para começar, é claro, nenhuma emoção na narrativa de fatos institucionais, é como a leitura de relatórios, apenas se trata de pessoas, suas vidas privadas, pouca monta, é de se crer que não teriam interesse nisso, qual será o interesse nisso. Fulano alvejado tentando passar por cima de um cordão de segurança à vista das crianças. Outro alimentando os porcos com ração à base de milho. Pouca coisa além disso, infiltrações apenas. Cada momento conta. Cada instante e fração de instante. O assassino está atrás de você. Mas o caminho da lâmina é infinito. Quando o homem era homem e o tempo existia. A felicidade também, etc. Longo tempo num instante. Fim. Agora, esta é a história que eu vou contar:

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